Eu resolvi escrever sobre luto
Numa sociedade em que ninguém está nem aí para como você se sente
Eu tenho um sonho desde que eu era criancinha. Eu gostava de assistir desenhos animados, filmes, animes e pensar “e se eu fizesse uma coisa assim?”
Durante mais de dez anos, eu aperfeiçoei essa ideia. Eu criava mundos, espaços e traços com cada átomo do meu ser, passava dias obcecada criando, ao ponto em que era quase doloroso para mim sair desse loop mental e colocar essas ideias em prática.
Hoje eu sei que essas ideias não vão sair da minha cabeça se eu não me dedicar nisso. Só que eu confesso: cara, é assustador.
Porque em tudo o que eu escrevo, cada palavra é como uma lágrima que eu nunca chorei. Cada personagem minha é um reflexo do meu subconsciente gritando para ser criado, ainda que para as pessoas do lado de fora aquilo seja apenas um compilado de palavras e letras encadenadas.
A verdade é que eu tenho um luto muito profundo ─ eu acredito que todos nós temos, me convenço disso para me sentir menos sozinha ─ que precisa ser externalizado. É um luto que nem eu mesma conheço, porque quando ele aparece demais, eu me assusto e o cubro com um monte de coisas que prejudicam a minha saúde. Pequenos venenos que atuam como anestésicos e me ajudam a sentir menos dessa dor que me dilacera de dentro para fora.
O nome da protagonista é Menida, e ela vive o luto da mãe, que desapareceu de um dia para o outro e nunca mais voltou. Ela precisa lidar com isso, e não está sozinha, queira ou não porque ela vive com as outras irmãs.
Mas o mais curioso para ela é que as outras não parecem se importar tanto quanto ela com aquela ferida deixada pelo abandono.
A caçula só quer saber de continuar brincando, vivendo suas aventuras como se não houvesse amanhã, enquanto a mais velha tem o pé no chão e quer saber de como vão dar um jeito de sobreviver ─ e só vê na procura da mãe uma série de custos e uma tremenda perda de tempo e de energia.
Menida sofre muito, porque depositou muito da própria identidade na figura da mãe. Faziam tudo juntas, cozinhavam juntas, vendiam comida untas, cosiam juntas, se enfeitavam juntas.
E enquanto Menida tenta viver uma vida sem ela, ela sente com muita profundidade a ausência da mãe em cada movimento. Cada gesto, cada fala, cada folha que cai a lembra dela.
E ela passa a ser incapaz de ver a vida senão pelos vazios dela. Só que o mundo não para e deixa ela viver o próprio luto. Ela precisa cuidar da casa, das coisas da mãe, cuidar para que a caçula não perca cabeça e para que a mais velha não arranque sua própria cabeça.
E enquanto ela tenta lidar com os complexos que ela mesma criou, o mundo acontece. A irmã some, a outra trabalha, o dinheiro acaba e precisam pensar numa solução rápida antes que percam a casa e todo o legado da mãe, ainda que ela não fosse exatamente o que Menida imaginava.
Menida precisa viver num mundo em que todos estão preocupados demais com as próprias vidas para olhar para a dela. Só que nem Menida quer se enxergar, e isso a afunda cada vez mais na própria tristeza enquanto tenta enterrá-la entre desesperos e tarefas cotidianas.
Essa é a história que eu mais amo no mundo. E eu não sei como escrevê-la como compartilhá-la ou como trazê-la ao mundo ainda.
Mas ainda vou fazer isso, e eu vou fazer isso nem que seja a última coisa que eu faça.